Se no passado recente o que fazia girar a economia eram parques
industriais gigantescos, com capital investido em máquinas e
funcionários e produção contada em milhares de produtos, hoje existe um
vasto mercado em que as ideias geniais valem dinheiro. Essa é a base do
conceito da economia criativa, que ganha força no Brasil e será um dos
temas discutidos na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, de 13 a 22 deste mês. Segundo dados das
Nações Unidas, 8% do PIB mundial é gerado por negócios em torno de
música, literatura, design, moda, desenvolvimento de softwares,
artesanato. Esse patrimônio cultural é chamado de intangível, mas os
ganhos obtidos por meio dele são bem concretos.
Que o diga Steve
Jobs, fundador da Apple, que chegou a faturar quase 26 bilhões de
dólares. Da mesma forma, o garoto americano Mark Zuckerberg criou há
oito anos o Facebook, a maior rede social do mundo; sua empresa virtual
está avaliada em cerca de 100 bilhões de dólares! Negócios como esses e
toda a discussão sobre direitos de propriedade intelectual foram
"previstos" pelo economista inglês John Hawkins, autor de The Creative
Economy - How People Make Money from Ideas (A economia criativa - como
as pessoas ganham dinheiro com ideias), de 2001, um dos primeiros livros
sobre o assunto.
No Brasil, também são muitos os exemplos de
pessoas criativas à frente de negócios rentáveis e marcas reconhecidas
mundialmente pela qualidade e originalidade. Quando o chef Alex Atala -
cujo restaurante, o D.O.M., acaba de ser eleito o quarto melhor do mundo
- tempera seus pratos com priprioca, um tipo de capim da Amazônia, ele
está fazendo economia criativa. "O elo entre natureza e cultura é a
comida. É preciso cozinhar e comer como cidadão", costuma dizer ele, que
desbravou a culinária nacional viajando pelos sertões e conhecendo as
comunidades que produzem os ingredientes empregados em suas criações
gastronômicas. Assim chamou a atenção para si mesmo, para o país e gerou
renda para centenas de pessoas, que permanecem em seus lugares de
origem. Quem vai a seu restaurante, em São Paulo, vive uma experiência
única, e esse fator, tão subjetivo, também gera concretamente dinheiro,
emprego e oportunidade para todos os envolvidos.
"A economia
criativa valoriza mais o processo do que o produto", sintetiza Claudia
Leitão, que está à frente da recém-criada Secretaria da Economia
Criativa do Ministério da Cultura (Minc). "São prioridades a inclusão e a
cooperação. A criatividade brasileira, embora impalpável, é uma das
nossas maiores riquezas e pode ser um caminho para o desenvolvimento do
país e de todos os envolvidos. Um exemplo: do Oiapoque ao Chuí, as
brasileiras bordam. Uma de nossas missões é desenvolver políticas
públicas que estimulem e organizem a produção e a comercialização do
bordado, para sustento dos autores e também para projetar nossa
cultura", diz ela.
Alguns visionários perceberam esse tesouro e
fizeram dele matéria-prima de suas produções notáveis. Um dos pioneiros
foi o artista plástico Renato Imbroisi, que, há mais de 30 anos, cria
peças incluindo no processo artesãs têxteis de Muquém, pequeno município
de Minas Gerais. Seu trabalho é reconhecido na Europa, na África e no
Japão. Também é o caso da designer de joias e bijoux Mary Arantes,
nascida no Vale do Jequitinhonha; sua marca, Mary Design, emprega
artesãos de vários lugares, orientados por ela. A jovem Mana Bernardes,
artista plástica carioca cujas joias feitas com material reciclado foram
premiadas aqui e no exterior, acredita que para o designer não basta
criar. "É ele quem também desenha a forma de trabalhar e o
desenvolvimento das pessoas, respeitando potencialidades individuais e
conectando pontos em comum. Isso é economia criativa", define ela.
Com
políticas públicas eficientes, esses e outros criadores poderiam fazer
mais e incluir mais gente e mais conhecimento em suas obras. "Ocorre que
a economia criativa por aqui ainda é incipiente", afirma Rubens
Ricupero, economista, diplomata e representante permanente do Brasil na
ONU. Ele acredita que o novo modelo contribui para o desenvolvimento,
mas não trata o assunto com euforia. As nações com melhor educação, como
Austrália (onde surgiu o conceito, na década de 1990) e Inglaterra, têm
mais chance de produzir ideias geniais e mantê-las rentáveis, mesmo
porque o governo facilita a produção e isenta de impostos os produtos do
entretenimento. Já nos países pobres e emergentes, a realidade é outra.
"Eu estava na ONU quando esse conceito começou a ser transposto para
outros países, em 2000. A ideia era principalmente fazer com que a
música gerasse renda na Jamaica e em Cuba, onde há muitos talentos, mas
ganha-se pouco com isso; os melhores músicos acabam deixando seus
lugares de origem. O Brasil, porém, tem potencial para incrementar a
indústria do entretenimento. Basta ver nossa experiência bem-sucedida da
exportação de novelas", lembra o economista. Em 2011, as tramas globais
tiveram faturamento recorde: 11 bilhões de reais, quase dez vezes mais
do que o total investido pelo Minc em projetos culturais.
O
Brasil vive um bom momento para que os talentos e novos negócios
desabrochem. Entre 2005 e 2011, as despesas com lazer aumentaram 40,7%,
como mostra uma pesquisa da Cetelem-BGN, empresa que analisa perfis do
consumidor brasileiro. O novo cenário nacional, com crescimento da
classe média e mais acesso a bens materiais e culturais, estimulou o
nascimento de novas empresas, como a XYZ Live. Criada pelo Grupo ABC, do
publicitário Nizan Guanaes, a companhia surgiu em abril do ano passado e
realizou megashows de Eric Clapton, Iron Maiden e Shakira, além de
eventos esportivos, como o X-Fighters. A expectativa é atingir a receita
de 600 milhões de reais até 2015. No Rio de Janeiro, o site
queremos.com.br, criado por jovens apaixonados por música, capta
recursos para realizar shows de bandas que, sem essa iniciativa, não
chegariam à cidade - por exemplo: James Blake, Little Dragon, Mogwai.
Eles calculam os custos de produção e, por meio das redes sociais,
arrecadam o dinheiro e vendem os ingressos, tudo virtualmente. A cidade
também ganha com isso, pois incrementa o lazer e atrai turistas.
AS CIDADES INOVADORAS
Iniciativas
como essa, aliás, podem transformar uma cidade comum numa cidade
criativa, outro conceito que promete bombar na Rio+20. A economista e
administradora Ana Carla Fonseca Reis, organizadora do livro Cidades
Criativas, Perspectivas (Câmara Brasileira do Livro), em parceria com
Peter Kageyama, explica: "A conexão entre os bairros e os moradores de
diferentes lugares, a inovação que essa pluralidade é capaz de gerar e
as expressões culturais caracterizam uma cidade considerada criativa".
Isso vai além de ter uma agenda cultural ativa e ser um polo turístico;
trata-se de um lugar com soluções inovadoras para problemas urbanos. "Um
exemplo é o bairro do Candeal, em Salvador, que era uma área muito
vulnerável antes dos projetos sociais implantados por Carlinhos Brown
para ensinar música a crianças e jovens. O trabalho chamou a atenção das
autoridades e levou para lá água encanada, saneamento, luz; a escola
melhorou. A cultura pode contribuir para oferecer mais qualidade de
vida", cita a secretária Claudia
Leitão. Outro exemplo é Paraty, que
há dez anos afastou o fantasma da decadência e atraiu os olhos do mundo
ao realizar a Festa Literária de Paraty, a Flip.
LIBERDADE = AUTOESTIMA
A
economia criativa propõe também uma mudança de mentalidade e começa a
derrubar crenças arraigadas. A primeira é de que cultura é gasto, não
investimento. A segunda, de que arte e dinheiro não se misturam ou que
gente criativa é incompetente para lidar com o lado prático da vida.
Hoje não basta dirigir o seu filme, tocar bem, produzir um disco ou
simplesmente publicar livros: cada vez mais, os autores são convocados a
administrar seus recursos, controlar suas produções e divulgar suas
obras. Esse é o tempo da simultaneidade, de assumir várias funções para
ganhar fãs, leitores, espectadores, territórios - enfim, cumprir o fluxo
produtivo completo, com domínio do processo e mais autonomia. Isso
também é um aspecto do desenvolvimento. Como apontou Amartya Sen,
economista indiano que ganhou o Prêmio Nobel em 1998, "desenvolvimento é
criação de liberdades". Tradução: um país desenvolvido não é só aquele
que tem índices altos de crescimento, mas o que gera cidadãos capazes de
tomar as próprias decisões. Essa capacidade de autogerenciamento e a
possibilidade de fazer o que se gosta tendo a sobrevivência garantida
influem na autoestima de um povo. "Trazem realização, dignidade e geram
menos injustiça. Somos favorecidos pela nossa diversidade", diz Claudia
Leitão, que estima um prazo de 20 anos para sentirmos os efeitos dessa
transformação de corações, mentes - e bolsos.
Fonte: Planeta Sustentável