quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Atafona: a cidade que está sendo engolida pelo mar

Conheça o município do norte-fluminense que sofre com forte erosão marinha e tem seu território diminuído a cada ano


 As imagens impressionam. Ruínas de hotéis, casas de luxo e de veraneio, comércio e até o batalhão de polícia, tudo destruído num raio de mais de cinco quilômetros de costa. Conforme a água avança, traz consigo a areia, que forma dunas onde antes havia quarteirões inteiros de residências e a avenida Atlântica – que já não existe na parte final da cidade.
Atafona, pacato distrito de São João da Barra, município do norte-fluminense, a 314 quilômetros do Rio de Janeiro, não sofreu o efeito devastador de um tsunami – como o que destruiu o nordeste do Japão no início de março. Mas as comparações são inevitáveis. O mar avança sobre a cidade desde os anos 70 e vem destruindo ruas inteiras.
 “As primeiras observações do processo erosivo foram há 40 anos. O problema foi se intensificando com a falta de pressão do volume de água do rio Paraíba do Sul, que corta a cidade a caminho do mar”, explica André Pinto, assessor de Planejamento e de Gestão Ambiental da prefeitura de São João da Barra. André também é guia de turismo, ciceroneando grupos de cientistas, estudantes e outros interessados em ver de perto as ruínas do que um dia foi o litoral de Atafona.
Com 30 mil moradores, a localidade, incluindo São João da Barra, tem um território de 432 quilômetros quadrados. A principal atividade econômica da região é a pesca. Mas o turismo tem “animado” os moradores. É cada vez maior o número de pessoas que procuram o lugar para conhecer de perto a ação da natureza na vida cotidiana da comunidade.
Segundo André, o distrito tem características peculiares que fazem com que ali sejam sentidas estas transformações mais drásticas. “A forte dinâmica das correntes marinhas, a formação geológica e por ser o ponto de tensão dos ventos vindos do nordeste, além da construção irregular nas faixas do rio e do mar, fazem com que Atafona viva este problema com tanta intensidade”, enumera o assessor de Gestão Ambiental.
A cidade tem cerca de cem casas notificadas pela Defesa Civil. “Uma parceria do Ministério Público estadual, Corpo de Bombeiros, Prefeitura e Defesa Civil permitiu que se agisse com eficiência, a partir de 2008. Devido ao avanço do mar, das ruínas da caixa d’agua da Cedae à foz do rio Paraíba do Sul, são diversas casas interditadas. A maioria delas, é bom frisar, é de veraneio”, explica Felício Medeiros, chefe da Defesa Civil municipal
Fim do mundo
Os destroços do que um dia foi parte da cidade hoje servem de fachadas para que igrejas profetizem o apocalipse. “Atafona é a primeira cidade a ver a chegada do fim do mundo”, diz Zélia Souza, que trabalha em um bar em frente à praia. O que sobrou do “hotel do Julinho” tem inscrições como “Jesus está vivo”, “Apocalipse – lembra-te do dia de sábado para o santificar”.
É em frente a uma dessas inscrições que um grupo de turistas, munidos de máquinas fotográficas, faz pose. Carmem Faria e Raquel Cansado estão na cidade pela segunda vez. “É impactante e ao mesmo tempo triste, desolador. Voltamos cinco anos depois para ver como o mar não para de avançar. Da última vez o hotel ainda estava de pé”, conta Carmem. “Só Deus para impedir que se repita aqui o que aconteceu no Japão”, completa Raquel, sem saber que as ondas no outro lado do mundo foram ocasionadas por choques nas placas tectônicas.
O tom apocalíptico também está na conversa com moradores mais antigos. No começo de fevereiro foi realizada a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, que percorreu a cidade até a praia de Atafona. Muitos creem que isso fez com que o mar recuasse alguns metros.
Para os técnicos, porém, a explicação é outra. Este recuo faz parte do processo erosivo. Desde 2008, tem se percebido este fenômeno inverso na cidade. O mar tem recuado, devolvendo faixas de areia que estavam submersas. Para o técnico ambiental Luis Henrique Araújo, que perdeu sua casa na última forte ressaca, isso não permite que a população se anime. “O mar recua e depois volta ainda mais forte. Não se pode construir novamente onde ele destruiu. São movimentos imprevisíveis”, diz.
Ruínas como ponto turístico
Conhecida como o “hotel do Julinho”, a ruína mais impactante da praia de Atafona virou ponto turístico. Construído pelo empresário Júlio Ferreira da Silva em 1973, o empreendimento também foi uma mercearia. O jornalista João Noronha, no livro “Uma Dama Chamada Atafona”, descreve o prédio como “o primeiro supermercado da cidade, dotado de bar, padaria e lanchonete”. Na parte superior, foram construídos 48 apartamentos com suítes em três andares. O prédio veio abaixo em abril de 2008, numa nova aproximação do mar. Ninguém se feriu. Meses antes a Defesa Civil Municipal havia interditado o local.
Os moradores mais antigos contam que, desde os anos 70, o mar avançou sobre cinco ruas, totalizando cerca de 500 casas. Isso equivale, pelos cálculos da prefeitura, a 40 campos de futebol. “O mar avança cerca de três metros por ano”, diz André Pinto. Tanto que o mar é proibido para o banho devido à presença de vergalhões e restos de construções escondidas sob as águas barrentas. A cor, aliás, em nada tem a ver com poluição – é pela vizinhança com o rio.
Ainda assim, surfistas se arriscam nas ondas do mar. Joedson Rosa da Silva diz não ter medo. “Já vi gente se machucando. Mas a água bate com força onde tem resto de construção, daí dá para ter uma noção de onde não se pode ir”, afirma.
Uma placa explicando o que acontece no litoral da cidade dá as informações para turistas que queiram se aprofundar no assunto. Detalhe: os textos são bilíngues, já se prevendo o interesse internacional.
Avenida Atlântica destruída
Margeando o litoral norte-fluminense, de Grussaí a Atafona, o melhor caminho é a avenida Atlântica. Mas quando se chega a Atafona... Cadê a avenida? Dunas tomam conta do asfalto que já cedeu em diversos pontos.
A destruição foi mais rápida do que o Google Maps, que ainda tem imagens aéreas da avenida. A areia avança rapidamente sobre casas. O 8º BPM (Batalhão de Polícia Militar), desativado em 2001, ainda resiste de pé. Residências próximas já foram abandonadas.
Chama a atenção o que sobrou da mansão de um rico usineiro do ramo sucroalcooleiro. O monte de pedras e pedaços de chão ainda com azulejos foi, até 2002, uma das casas mais imponentes da cidade. No livro de João Noronha, eis a descrição da casa: “O segundo (casarão), do usineiro do açúcar Aylton Damas dos Santos, na avenida Atlântica com vista espetacular para o oceano tinha seis suítes, salão de jantar, sala de TV, sala de café da manhã e living no primeiro piso, e cozinha, lavanderia, dois dormitórios para motoristas, sala para sauna, salão de jogos, despensa e depósito no subsolo, além de garagem para oito carros e casa de caseiros”.

Soluções para o êxodo
Nos últimos anos, várias soluções têm sido discutidas para tentar conter o avanço do mar. O professor Paulo Cesar Rosman, do Programa de Engenharia Oceânica da UFRJ, não descarta a construção de obras de engenharia costeira para proteger as propriedades ameaçadas, como quebra-mares e muros. Mas ressalta o alto custo e a possível ineficiência a longo prazo. “Seria bem mais econômico para o poder público desapropriar a região sob ataque das ondas que construir obras de proteção costeira. A área seria renaturalizada e viraria um parque com praia”, afirma.
Vários moradores já deixaram suas casas. São diversas propriedades com placas de “vende-se”. Michele de Meirelles oferece sua casa de dois quartos por R$ 8 mil. O muro do lado esquerdo da propriedade segura uma duna de areia prestes a entrar em seu quintal. “Quero me mudar o quanto antes. Mas não há quem compre”, diz a dona de casa.
Um novo rabisco de apocalipse “(Jesus está voltando”) já ocupa o muro. É sinal de que “ele” vem vindo. O mar.
Fonte: Portal IG

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